Saturday, February 07, 2004

O preto

Apanhámos o preto perto de uma palhota onde havia umas armas, eram dois, um escapou, mas este apanhámo-lo. Não foi bem tratado, claro. Levou porrada de toda gente, queriamos que falasse, mas ele não queria falar. Eram coisas mal feitas, claro, mas era a guerra. Levámos o preto connosco.
(...)
Lembro-me de atravessar-mos um rio e passarmos todos por cima da cabeça do preto, para não nos molharmos. Eram coisas mal feitas, está visto. Mas era assim.
(...)
Apagámos cigarros na lingua do preto, torturámos o gajo, arrancámos-lhe as unhas. Foram coisas mal feitas. Era a guerra. Um dia o preto afastou-se de nós e pensámos que queria fugir, apanhámo-lo e matámo-lo.
(...)
Quando penso nisso hoje arrependo-me muito. Não merecia. Continuo convencido que ele sabia coisas, não percebo porque não falou. Também ainda não compreendo o que é que fomos para lá a fazer.


Ex-combatente na guerra colonial.
Alcobaça, 1998


Porque é que eu, que tenho orgulho na história de Portugal, por que me hão-de impor (na Constituição) que o Estado deve ser anti-colonialista?

Paulo Portas
Congresso da Juventude Popular, Estoril
30 Novembro 2003

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